sábado, 19 de setembro de 2020

My Happy Family - filme

 My Happy Family

Linguagem original: Georgiano.

Diretores: Nana Ekvtimishvili e Simon Groß.

Produtor: Jonas Katzenstein, Maximilian Leo.

Data de lançamento (streaming): 1 de dezembro de 2017.

Tempo de execução: 2 horas.

Escrito pela filósofa Nana Ekvtimishvili cuja filmografia inclui ainda: In Bloom (2013), Esperando pela mamãe (2011), Lost Mainland (2008), Fata Morgana (2007).

Trilha sonora “feita pelos próprios atores [mostra] pela música um pouco da cultura regional e o talento de voz e violão da nossa protagonista.” (1)

A interpretação do: “elenco [dá] um banho em muitos [atores] que já estão no mercado há tempos.”

(1)  https://www.minhavisaodocinema.com.br/2018/02/critica-my-happy-family-2017-de-nana.html


My Happy Family (2017) foi indicado  pela cinéfila Brígida de Poli (Portal Makingoff).


Ao assistir ao filme, notei que os cantos masculinos são corais e o canto feminino é "single" acompanhado ao violão pela própria vocal. O canto coral masculino lembrou-me algo ancestral como a dança masculina grega e até o coro da tragédia grega por reiterar preceitos sociais. O coro de vozes masculinas traz temas masculinos . Uma letra que me chamou a atenção fala da conquista da amada pelo agricultor que a abate literalmente em campo (desculpem-me a expressão!). Mas as melodias são românticas e a performance traz algo de solene. 

As falas masculinas são de proteção à mulher e até de respeito, porém normativas e prescritivas. Remontam ao "shame culture" (cultura da vergonha).

Considerando o conceito budista de felicidade em oposição à crença na roda da fortuna, elocubramos que, na cultura ocidental, o aniversário é o dia de comemorar a vida, é o dia de receber votos de felicidades. No entanto, a família julga os indivíduos o tempo todo ao invés de celebrá-los constantemente e, dessa maneira, celebrar a vida. O aniversário é o dia de olhar para o lado de cima da roda da vida, atribuindo a fatores externos os aspectos bons da vida, ao invés de encará-la como algo sem dualismo (céu e inferno). Considerando o conceito budista de felicidade, propomos uma reflexão  sobre como seria a educação para a felicidade. Na família, o julgamento excessivo é uma forma de violência ou é “educativo”?  O julgamento e o controle geram felicidade? Como funcionam: julgar, controlar e colocar limites?

O fato do enredo do filme partir do aniversário de 52 anos da protagonista do filme instigou-me a verificar os significados atribuídos pela  numerologia ao número referido. Quando esse número chega na vida da pessoa ajuda-a a enfrentar o medo da mudança para alcançar novos horizontes

https://www.proveitoso.com/significado-do-numero-52-numerologia-cinquenta-e-dois/

Essa tarefa de superação não é exclusivamente feminina. Dessa maneira, a nosso ver, o filme indaga indiretamente sobre  as tarefas de emancipação feminina na família patriarcal.  

 Comentários – Clara Amelia de Oliveira

Eu farei uma análise do filme, à luz das questões feministas e da posição assumida pela mulher (personagem principal do filme, a professora Manana).  Esta análise está de acordo com a compreensão do pensamento da filósofa francesa Elisabeth Badinter, que diz, a respeito do feminismo, em seu livro intitulado, no original, Fausse Route. Em portugês, tradução livre: Maneira errada, ou ainda, Caminho errado. 

Inicialmente colocarei três citações tiradas deste livro de Badinter:

1-A realidade é infinitamente mais complexa oferecendo a cada um dos dois sexos argumentos para se dizerem vítimas um do outro.

2-As relações homem-mulher podem diferir bastante, de acordo com as classes sociais e as gerações a que pertencem.

3-A razão primeira do feminismo, em todas as suas tendências, é de instaurar a igualdade dos sexos e não exatamente a de melhorar as relações entre homens e mulheres. Neste sentido Badinter encerra seu livro dizendo que, buscar a igualdade dos sexos, pode ser um falso caminho (Fausse Route).

Sobre minhas memórias sobre o filme, diria que, não sou muito ligada a detalhes e, deste filme, visto há pouco tempo, eu apenas lembrava que ele foi tocante e que tratava do caso de uma mulher que decidiu sair de casa pra morar sozinha.   Um filme simples, mas não simplista. Lembrava ainda do processo de adaptação desta mulher, em sua nova residência, e que, ao final, há sinais de um possível recomeço entre ela, e seu marido que ficou na outra casa vivendo com a família dela. O filme, ao meu ver, sintetiza uma história genérica, mais humana do que feminina propriamente dita.  A personagem principal, Manana, que cansa e sai de casa, poderia ser trocada por outro personagem qualquer tal com seu marido, um jovem filho, um dos seus velhos, enfim, é uma história das mazelas humanas dentro da organização social denominada família e da organização social atual.

O filme se desenrola mostrando gradualmente o processo de mudança de alguém que busca outra forma de se relacionar com a vida.

Sobre a citação 1 de Badinter, que vê múltiplas razões para mulheres e homens se considerarem vítimas, uns dos outros, a personagem Manana, justamente não se colocou numa posição feminina de vítima dos homens, ou mesmo do sistema geral. De forma calma, porém decidida, ela tomou a sua atitude de sair do ambiente família que a estava oprimindo.

A citação 2 de Badinter, se refere às relações homem-mulher,  contextualizando no ambiente social e histórico, característica, esta, que me agrada bastante no pensamento expresso por esta autora. Neste ponto citado, segundo a história narrada no filme, o foco está nos conflitos entre as relações familiares em geral. Estas relações são influenciadas sim, de acordo com a classe social. Neste filme temos uma grande família, de categoria social classe média baixa, vivendo sob o mesmo teto, onde o pouco espaço físico leva à invasão da privacidade de cada membro da família. 

E sobre a citação 3 de Badinter, que é muito contundente e genérica. Ela identifica uma diferença crucial entre a luta pela igualdade dos sexos, e a luta pela evolução das relações humanas de forma harmônica, sem dominação. Neste mesmo sentido, ao meu ver, nos dias de hoje, mais parece que a mulher está guerreando para conquistar igual, e idêntico, poder que foi predominantemente exercido pelos homens. Os homens, usualmente, se caracterizam por ser mais pavões, mais explícitos, mais imediatistas. Olhou, gostou, comeu. Homem sempre foi o mais forte, o mais músculos, o mais garanhão (o pegador). Até lembrei do imperador romano que disse: vim, vi, venci. E as mulheres de hoje, o que querem? Querem ser igualmente mais-mais. Mas altas (salto do sapato alto de 12 cm), cílios postiços de 1.5 cm, peito maior, silicone nele. Boca maior, enxerto nela, e por aí a fora. Atitude, de pegar, de transar no primeiro encontro, de forma pública, sem hipocrisia (o que parece, a primeira vista, se uma conquista importante). Tudo isto dentro de uma tendência destas recentes gerações. Mas temos que pontuar, como também o faz Badinter, que não se pode generalizar para enquadrar todas as mulheres neste padrão- tendência. Temos que aceitar também que nem todos os homens se comportam dentro deste padrão machista, que é, igualmente, uma tendência, mesmo que ainda predominante. O poder de dominação, historicamente exercido pelos homens, também contou com algumas personagens históricas femininas, de igual força e maldade.

A conclusão sobre este assunto, que parece ter fugido um pouco das memórias do filme, mas é tudo a ver, é de que há que se criar uma estratégia para lidar com os problemas humanos que poupe energia gerada na fragmentação das diferentes categorias. Ao se focar nos direitos humanos, e lutarmos pela justiça social, automaticamente será contemplada, não apenas a mulher, tradicionalmente dominada no mundo machista, mas também, uma parcela minoritária, mas real, de homens dominados separados por categorias específicas (índios, homossexuais, negros, crianças...). Isso tem criado batalhas sem fim e alguns paradoxos. Para mudar o foco, deverá ser envolvida uma mudança estrutural sistêmica profunda. É difícil? Sim. Mas se não tivermos esta perspectiva, a ser atingida, vai-se continuar gastando pólvora em focos específicos gerando caos. É mulher divergindo de mulher. Por exemplo, mulher branca esnobando mulher negra. Aliás, agora não é suficiente ser mulher branca, tem de ser mulher loira. Já notaram a quantidade de loiras arianas, falsas, por aí? É mulher divergindo de homem. É mulher indígena divergindo de mulher urbana típica. É gay divergindo de hetero, parecendo até, em algumas situações mais radicais, que ser hetero seria defeito. Contra tanta opressão, somente humanização, compreensão e flexibilidade diante das diferenças, vai dar jeito.

Para retornar ao tema do filme My Happy Family (ah, vocês pensaram que eu não ia voltar ao filme né?) Divaguei, mas voltei para dar o desfecho necessário para o filme em questão. Podemos concluir que este filme primou por um roteiro espetacular. Um filme épico onde a heroína mostra características inegavelmente humanas, mesmo que possamos ter visto pelo foco de uma mulher, até ali, submetida ao marido, aos filhos e aos seus genitores, Manana demonstrou ser uma mulher-gente. Uma mulher vencedora porque venceu sua própria luta interna. Um filme muito positivo pois não vitimizou a situação feminina e mostrou enfim uma pessoa-mulher vencedora.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Lendo Cinema XIV. Pecados Íntimos.

PECADOS ÍNTIMOS (Little Children) – direção: Todd Field – 2006

Cenário 1 -Tudo parece seguir o ritmo normal numa pacata cidade, até que um ex-presidiário (Jackie Earle Haley) acusado de exibicionismo e pedofilia, volta para casa. Isso causa um alvoroço entre as famílias locais. Ele acaba perseguido por um ex-policial.
Cenário 2- Brad (Patrick Wilson) precisa estudar para passar no exame da ordem dos advogados e fica em casa cuidando do filhinho, enquanto sua mulher, uma bem sucedida documentarista, trabalha para manter a casa. Ele gosta de passar horas vendo jovens skatistas praticando.
Cenário 3 – Sarah (Kate Winslet) é uma entediada dona de casa que cuida da filhinha, enquanto o marido trabalha. Ela costuma levar a menina no mesmo parque em que outras mães e Brad, apelidado por elas de o “rei do baile”, leva seu filho.

Curiosidades: A história é adaptada do livro “Litlle Children”, de Tom Perrota.

O filme foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor atriz, Melhor ator coadjuvante e Melhor roteiro adaptado. Também foi indicado ao Globo de Ouro como Melhor drama, Melhor atriz e Melhor roteiro. O ator Jackie Earle Haley que não atuava há 13 anos recebeu vários prêmios de melhor atuação em outros festivais.

Compulsões Sociais. Por Edna Domenica Merola

Sexo explícito num filme que pretende dar mensagem sobre a correta maneira de se viver o amor familiar, mostrando diversas formas erradas de fazê-lo.  A trama pretende avaliar as relações familiares na sociedade americana para mostrar o que não deveria acontecer entre marido e mulher e entre mãe e filho. Tem um personagem exibicionista/pedófilo, um fanático (psicopata?) que quer colocar ordem na comunidade, um bonitão mal sucedido profissionalmente, a mulher bonita e bem sucedida que é mal amada, a mulher comum que abandonou seus estudos e foi ser dona de casa, mas é uma mãe rejeitadora, supostamente porque o marido prefere transar com personagem de site pornô do que amá-la. O corpo é mostrado como algo sujeito ao esporte violento e ao instinto sexual.
 O indivíduo da classe média é apresentado como alguém que se importa mais com o que os outros pensam dele do que com seus sentimentos, emoções, projetos de vida. A trama apresentada por cenas desastrosas são avaliadas por um narrador. (Isso lembra quando duas pessoas fazem coisas insólitas e chega um terceiro e opina de maneira absurda.). A "reflexão" do narrador quebra os efeitos das cenas anteriores e emblemáticas de violência ou sexo. Isso dá ares de série ao filme que acaba em tragédia.
O filme é realista, já que mostra uma comunidade americana vivendo compulsões: repetir erros nas relações familiares cheias de obrigações e cobranças, impor normas de condutas rígidas sobre comportamento sexual, sobre o sucesso profissional, sobre o poder aquisitivo, sobre o domínio de quem traz o sustento para o lar sobre os demais membros da família.
Mostra o individualismo, o egocentrismo e o materialismo como pilar da família e da identidade do sujeito.
As cenas de sexo são todas fora do casamento (e os envolvidos não acabam bem).
O gozo tranquilo e sem culpa passa longe de Pecados Íntimos (não se engane, pois, com essa tradução dada ao título).

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Lendo Cinema XIII. Crimes de Família.

CRIMES DE FAMÍLIA- DIR:SEBASTIÁN SCHIVEL- ARGENTINA-2020

Um homem acusado de agredir e estuprar a ex-mulher e a mãe dele lutando desesperadamente para provar sua inocência. Esse resumo pode remeter a muitos outros filmes, mas não se engane, há mais coisas pela frente. Na verdade, não se vê apenas um, mas dois julgamentos em paralelo na tela. A diferença entre os dois é a classe social dos réus. O primeiro é o de Daniel, filho de uma família classe média alta e o segundo, de Gladys, empregada dessa mesma família. Ao final, a história nos apresenta um enorme dilema.
A atriz que interpreta Alícia, a mãe que abre mão de tudo para defender o filho, é Cecília Roth, intérprete excepcional de “Tudo sobre minha mãe”, de Pedro Almodóvar.


“Crimes de família” (Crimenes de familia) tem algumas falhas de roteiro, mas se redime no desfecho do filme.

Abertura por Brígida de Poli


Ficção & Realidade. Marlene Xavier Nobre

O filme retrata o inferno que um viciado em drogas é capaz de fazer: perder a razão e a lucidez.
Naquele lar tudo se transformou em pesadelo para um casal abastado, a partir das prisões de seu filho único Daniel, viciado em drogas e que comete delitos, deixando toda a família desestruturada e doentia.
A trama mostra os fatos: a separação de Daniel da mulher e do filho pequeno, a gravidez da empregada, e a separação dos pais do jovem adulto viciado.
O que mais me chama a atenção é que Alicia abre mão do conforto e do seu casamento de anos pelo amor ao filho viciado.
Alicia, no final, não abandona a nora e nem os netos. Aproxima os meninos.
O que Alicia suportou por amor a seus netos faz da personagem um grande exemplo de mãe e avó.
Independente de classe social toda a família que vive esse drama em casa não tem um final feliz. A droga é uma lepra, quando adentra qualquer lar, tira todos os que ali residem da zona de conforto. A droga mata sonhos, destrói famílias, corrói vidas, separa amores. Quantas mães vivem isso na pele!



Comentários. Edna Domenica Merola

Gladys é a personagem que engravida de um estrupo, mas não sabe que o agressor pode ser acusado. É a vítima que se incrimina pela violência  sofrida. 
O número exato de Gladys que há no mundo não posso calcular com exatidão. Mas aquilatar não é muito complicado. Tome o total de mulheres do mundo ocidental e do oriente "moderno" ou ocidentalizado, subtraia o número de mulheres graduadas e pós graduadas e as líderes que encabeçam movimentos em prol de minorias.  Subtraia ainda (por benevolência ao sistema) as brancas com Ensino Médio ou modalidade correspondente em anos de estudo. Salve esse montante.  Depois some-o a 99,9% do número de mulheres do oriente médio.
Mas sei que sabe, cara leitora, que números não aplacam o choro abafado por quatro paredes. Sei que sabe que uma mãe vitimada só pode gerar vítimas herdeiras de um sofrimento que nem tiveram a chance de construir.

Crimes de família. Clara Pelaez Alvarez
Se no filme “O jantar” a hipocrisia era servida em pequenos pedaços num restaurante, neste a hipocrisia é servida em suculentos pedaços em processos jurídicos. Os dois filmes mostram a fedentina social. Levantam o tapete e eis: hipocrisia e crueldade.
Filme que causa náuseas desde o início. Não há redenção possível para os personagens, quer sejam as “pessoas de bem”, os advogados, juízes, policiais. Fiquei procurando no bolso algum tipo de perdão, mas nada encontrei.  São todos cúmplices do horror. A sala do tribunal, vazia, escura e fria com uma única culpada esperando os carrascos mostra bem o que criamos.
Gladys é resultado da nossa cumplicidade social. A inocente que se crê culpada e que carrega todos os sofrimentos do mundo, ao melhor estilo cristão, redimindo a sociedade. Os invisíveis que quando percebidos causam pavor social, pois jogam luz à hipocrisia de todos nós. Quantas Gladys existirão neste mundo? Haverá por aí alguma Dulcinéia que, montada num Rocinante, empunhe a lança de batalha contra os moinhos de pessoas? Talvez. Mas uma só não bastará.


Brígida de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Makingof  http://portalmakingof.com.br/cine-e-series. Simpatizante e voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-mulheres-da-minha-vida/

Edna Domenica Merola é Mestra em Educação e Comunicação. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro/.

Marlene Xavier Nobre é autora de  Lembranças e Esperanças de uma Mulher (Insular, 2020); A Meus Queridos Netos (Postmix, 2017).

Links para leitura de postagens anteriores de Lendo Cinema

Lendo cinema I – O Jantar (Oren Moverman, 2017)


Lendo cinema II – As Baleias de Agosto (Lindsey Anderson, 1987)


Lendo cinema III – Eu, Daniel Blake (Ken Loach, 2016)


Lendo cinema IV – O Cidadão Ilustre (Mariano Cohn, 2017)


Lendo cinema V – A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas (Mike Newell, 2017)

Lendo cinema VI – O Filme da Minha Vida (Selton Melo, 2017)


Lendo Cinema VII – Nossas Noites (Ritshe Batra, 2017)


Lendo Cinema VIII – O Filho da Noiva (Juan José Campanella, 2001)


Lendo Cinema IX – O Vazio do Domingo (Ramón Salazar, 2018)


Lendo Cinema X – Whisky (Juan Pablo Rebella, Pablo Stoll, 2004)


Lendo Cinema X I –  Aquarius (Kléber Mendonça, 2016)

Lendo Cinema X I I–  A Prima Sofia (Rebecca Zlotowski, 2019)


sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Lendo Cinema XII. Prima Sofia,


PRIMA SOFIA - direção: Rebecca Zlotowski-França-2019

A história de A Prima Sofia (Une fille facile) é contada a partir da perspectiva de Naïma (Mina Farid), uma adolescente que vive na charmosa cidade litorânea de Cannes, no sul da França. Ao comemorar 16 anos, ela decide tirar o verão para decidir o que vai fazer da vida. Em princípio, Naima planeja com seu melhor amigo, Dodo (Lakdhar Dridi), fazer um teste para se tornarem atores. No entanto, quando Sofia (Zahia Dehar), sua prima de 22 anos, chega de Paris para passar as férias, Naïma é seduzida pelo seu estilo de vida livre.  As duas jovens se tornam inseparáveis, passando os dias na praia e as noites em boates. Logo, começam a chamar a atenção de homens mais velhos. Assim, elas conhecem Andrés e Phillipe, que passeiam pela Riviera Francesa em seu iate de luxo.  Se para Sofia aquele é um mundo bem conhecido, para Naima é uma nova e surpreendente experiência.

A Prima Sofia ganhou o Prêmio SACD na Quinzena dos Realizadores, tradicional mostra paralela do Festival de Cannes, em 2019.

Abertura por Brígida de Poli


Uma imigrante bem comportada. Por Edna Domenica Merola 

Prima Sofia é um filme com uma fotografia linda, mostra paisagens marítimas e praianas deslumbrantes, mostra a classe alta bem humorada e feliz em seu iate ou sua mansão numa ilha paradisíaca. Mostra também a classe média trabalhadora em serviços gastronômicos e se dá bem, se souber servir corretamente e desaparecer, quando os patrões quiserem. 
O filme não tem cenas de violência ou droga, mas de sexo explícito.
Mostra duas duplas de homens mais velhos e moças jovens. Os homens têm atitudes opostas frente às decisões dos limites perante as relações consentidas. 
A protagonista (menina bem comportada) tem aparência e nome de imigrante; vive na França, e, aos 16 anos, tem que se esforçar para permanecer na mesma classe social de seus ascendentes.
O filme parece querer tampar o sol com a peneira da realidade vivida por adolescentes que devem decidir seu futuro precocemente e se inserir no esquema demandado pelo modelo econômico, e ainda sendo de família de imigrantes e pertencentes à classe média, num país rico. 
A narrativa não é apenas confortável para a classe dominante. A narrativa da menina comportada é tipo um chip implantado em alguém, quer dizer que a fala dela é cooptação com a classe alta. Penso que a pedagogia subjacente é a da meritocracia. O filme parece palanque de plataforma de um partido político de direita da Europa fascista. A mensagem passada é a de que um governo eurocêntrico dá conta de controlar fluxos imigratórios, oferta suficiente de vagas para o primeiro emprego e todo o sonho dourado das camadas abastadas dos países que se inclinam para a postura fascista. Confiram assistindo (quem sabe exagerei...). 

A prima Sofia por Clara Pelaez Alvarez

Este é um filme sobre escravidão. Mas, ao contrário do que parece ser, a escravidão é voluntária ainda que não notada. Algumas opções estão na mesa: a escravidão hormonal, a escravidão ao dinheiro ou a escravidão das “pessoas de bem” (aquelas que trabalham das oito às cinco).
Normalmente estamos o tempo todo nos comparando uns aos outros. Assim aprendemos desde crianças. O resultado de uma comparação raramente é neutro, geralmente alguém ganha, alguém perde. Se quem perde é quem está no ato da comparação, sempre resta depreciar o “ganhador”, julgá-lo ferozmente. Desconfio que essa é a explicação básica por trás das polícias sociais (aquelas pessoas que vigiam o tempo todo o que os outros fazem).
Existem "n" formas de viver a vida. Todas trazem sabores e dores. Pode-se querer algo com muita intensidade e batalhar muito para consegui-lo. Pode-se ir com o fluxo sem pensar muito. Algumas escolhas definem a vida, outras definem apenas o minuto seguinte. Muito difícil saber em que ponto da transição nos encontramos. E está tudo certo.
As meninas fazem suas opções e suas descobertas. Usam e são usadas. Amam e são amadas. E a vida continua inexoravelmente rumo ao amanhã. Qual o tamanho das coisas trinta anos depois que aconteceram?

Brígida de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Making Of  http://portalmakingof.com.br/cine-e-series
Simpatizante e voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular

Clara Pelaez Alvarez  é pesquisadora de ciência das redes.

Edna Domenica Merola, pedagoga e psicóloga, mestre em Educação e Comunicação, participa de Lendo Cinema); de Textos Curtos da Biblioteca do CIC (com Gilberto Motta e Esni Soares); das aulas sobre música popular brasileira ministradas por Alberto Gonçalves. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro


Links de outras postagens de Lendo Cinema:
Lendo cinema I – O Jantar (Oren Moverman, 2017)


Lendo cinema II – As Baleias de Agosto (Lindsey Anderson, 1987)


Lendo cinema III – Eu, Daniel Blake (Ken Loach, 2016)


Lendo cinema IV – O Cidadão Ilustre (Mariano Cohn, 2017)


Lendo cinema V – A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas (Mike Newell, 2017)

Lendo cinema VI – O Filme da Minha Vida (Selton Melo, 2017)


Lendo Cinema VII – Nossas Noites (Ritshe Batra, 2017)


Lendo Cinema VIII – O Filho da Noiva (Juan José Campanella, 2001)


Lendo Cinema IX – O Vazio do Domingo (Ramón Salazar, 2018)


Lendo Cinema X – Whisky (Juan Pablo Rebella, Pablo Stoll, 2004)


Lendo Cinema X I –  Aquarius (Kléber Mendonça, 2016)
https://netiativo.blogspot.com/2020/08/lendo-cinema-xi.html

sábado, 15 de agosto de 2020

Lendo Cinema XI. Aquarius.

AQUARIUS – direção: Kleber Mendonça Filho – 2016
O filme de Kleber Mendonça toca em vários temas contemporâneos, como a especulação imobiliária e preservação da memória. Sônia Braga interpreta a jornalista Clara, aposentada, viúva, mãe de três filhos adultos. Como última moradora do edifício Aquarius, em Recife, ela tenta impedir sua demolição por uma construtora que pretende construir um grande condomínio à beira mar. Vemos também Clara lidando com os conflitos típicos de uma mulher na maturidade, inclusive a mutilação provocada por um câncer de mama. Mas, ela é resistente e não abre mão de sua sexualidade, nem de lutar pelo que acredita.
O filme foi muito bem recebido no Festival de Cinema de Cannes. A equipe causou polêmica no Brasil ao se manifestar durante o festival francês contra o golpe que provocou o impeachment da presidente Dilma. Isso provocou um chamamento de boicote ao filme no Brasil. Mesmo assim, Aquarius fez uma boa bilheteria, até porque os "boicotadores" não costumam mesmo ir ao cinema ou ver filmes mais complexos.
Sônia Braga recebeu vários prêmios pelo papel de Clara e Aquarius foi o vencedor do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.



Abertura, escolha do filme e mediação por Brígida de Poli


Uma escuta, por Edna Domenica Merola

No filme, Aquarius é o nome do prédio no qual a última moradora se opõe à compra pleiteada por uma incorporadora. Aparentemente, a temática é existencial. No entanto, o olhar da protagonista Clara tece o ângulo privilegiado da recepção da narrativa das histórias de vida de mulheres que lutaram pela justiça social nos anos 1960 a 2014. Destaca, ainda, o ano de 1980: um marco temporal importante na queda econômica da classe média. Ressalta a definição de classe social a partir da ocupação do espaço urbano dos grandes centros, a exemplo, dos condomínios de alto padrão à beira mar, nessas cidades.
A narrativa é linear. O ritmo do filme nos faz conviver com Clara por meio da escuta de sua fala pausada que provoca reflexão e nos desacomoda dos nossos lugares sociais. 
Para os fãs de Sônia Braga, vale conferir mais esse excelente trabalho!


Sobre o filme Aquarius. Marlene Xavier Nobre

Cada cena que via, na minha mente, fazia uma viagem no tempo.
Vi na personagem da Clara o mito de Lilith. A mulher, mesmo tendo conseguido o seu espaço, ainda hoje paga um preço alto por isso.  Por ter passado por uma mastectomia e quando envelhece, pra muitos é como se fosse pecado sentir desejos.
Quando uma mulher se libera sexualmente é tachada de tudo, fica visada, é olhada como prostituta. O homem e o dinheiro ainda prevalecem nessa sociedade absurda e suja. O filme mostrou várias faces da sociedade. Nos dias atuais, muita coisa já mudou, mas falta ainda muito. Infelizmente, ainda existem muitas mulheres submissas, emocional e financeiramente. É preciso ainda muita conscientização. É necessário reivindicar todos os nossos direitos. Essa luta tem pela frente um grande chão, para percorrê-lo precisamos dar as mãos. Sinto e vejo que a mulher tem uma força sobrenatural. A mulher ama e enxerga qualquer alma que clama.
A personagem mostrou força e muita garra, provou que a mulher é forte, mesmo tendo todos os motivos para ser frágil. Provou que as mulheres decidirão pra onde vão, pois lugar de mulher é onde ela quiser.

Reflexões sobre Aquarius, por Clara Pelaez Alvarez

Ao longo da vida vamos nos apegando a coisas e lugares. À medida que envelhecemos parece que mais entranhados ficamos na matéria. Mas estamos condenados à mudança. Vivemos numa sociedade instável em busca estabilidade. A impermanência embora seja tudo que há causa sofrimento.
Engraçado ver que a família piamente contava os grandes feitos da tia aniversariante enquanto ela se lembrava das grandes transadas com o amante casado. No fim das contas danem-se os diplomas, troféus e comendas. Divertido mesmo são as loucuras de alcova, os combates de Vênus, como já dizia Virgílio.


No mais é briga de redes dominantes. De gente que é e que conhece gente poderosa. Ao melhor estilo brasileiro tudo se resolve debaixo do pano, no jeitinho. Era uma grande corporação, mas ela era uma cidadã ilustre. Dois peões adiante e uma dama na diagonal: cheque mate.

Brígida de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Making Of  http://portalmakingof.com.br/cine-e-series . Simpatizante e voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-mulheres-da-minha-vida/
Clara Pelaez Alvarez  é pesquisadora da ciência das redes.
Edna Domenica Merola, pedagoga e psicóloga, mestre em Educação e Comunicação, participa de Lendo Cinema ); de Textos Curtos da Biblioteca do CIC (com Gilberto Motta e Esni Soares); das aulas sobre música popular brasileira ministradas por Alberto Gonçalves. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro
Marlene Xavier Nobre é autora do livro Lembranças e Esperanças de uma mulher, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/lembrancas-e-esperancas-de-uma-mulher/


Links para leitura de postagens anteriores de Lendo Cinema



Lendo cinema I – O Jantar (Oren Moverman, 2017)

Lendo cinema II – As Baleias de Agosto (Lindsey Anderson, 1987)

Lendo cinema III – Eu, Daniel Blake (Ken Loach, 2016)

Lendo cinema IV – O Cidadão Ilustre (Mariano Cohn, 2017)

Lendo cinema V – A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas (Mike Newell, 2017)

Lendo cinema VI – O Filme da Minha Vida (Selton Melo, 2017)

Lendo Cinema VII – Nossas Noites (Ritshe Batra, 2017)

Lendo Cinema VIII – O Filho da Noiva (Juan José Campanella, 2001)

Lendo Cinema IX – O Vazio do Domingo (Ramón Salazar, 2018)

Lendo Cinema X – Whisky (Juan Pablo Rebella, Pablo Stoll, 2004)