sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Cartas trocadas entre Ana Marise e Edna Domenica sobre o texto "Viagens".

Oi, Edna, bom dia!

Conforme solicitado em aula, te escrevo esta carta buscando esclarecer algumas dúvidas em relação ao texto Viagens.
Cheiro de camarão e dendê lembra a Bahia, certo?
O garoto negociava a venda de uma colcha de renda com uma turista italiana, recém chegada em algum transatlântico de bandeira italiana?
Barão morto, saudade e recordações de "velhos" carnavais...?
O "footing" automobilístico quer dizer....?
Paladar e audição de um saber corporal?
Minas Gerais, Ouro Preto, contrastes entre o passado e o presente, o antigo e o atual. Ave Maria! Nostalgia?
A noite brinca e se "entremeia" com a tarde que finda. Por que saber-se só?
Largo da Alfândega, pedestres, odores variados seria o mercado de Floripa?
Pela diversidade do texto posso dizer que existem muitos "brasis" nesse nosso amado Brasil?

Um abraço da Ana Marise.


Marise,

O texto Viagens reúne alguns traços de memórias sobre alguns pontos turísticos no Brasil, mas o passeio refere-se a uma introspecção feita personagem narradora. O passado é evocado por meio de alguns saberes corporais ligados à audição, paladar e olfato.
A narrativa percorre Bahia, Ouro Preto, Florianópolis e evoca lembranças do muitos brasis que coexistem à revelia de seus diferentes sotaques e tradições.
Da Bahia, os blocos de Carnaval comparecem na figura do Barão, fundador do bloco com seu nome.
A topografia de Ouro Preto, no texto, é vinculada ao catolicismo em sua contrição e recolhimento (“saber-se só”). No tempo narrativo presente, Floripa vem à tona por meio do Largo da Alfândega.

Abraço, da Edna.



ADENDO TEXTO Viagens (MEROLA, 2011)

Cheiro de dendê e camarão sobre o passeio sujo em frente ao Mercado Modelo. Céu em azul e rosa. Em diálogo com um moleque de sotaque baiano negocio a compra de uma colcha de renda. Pra ganhar terreno, o esperto garoto denuncia minha herança de fala italiana. Sotaques trocados, preço acertado. O frio e o peso dos colares banhados em prata sobre a textura branca da blusa de confecção local formam um conjunto de artesanais lembranças que a brisa, que sopra, “beija e balança”.
O hino do bloco do Barão cantado por nós, jovens folionas, enquanto o maduro barão fechava o cordão em carro... Tudo isso é agora histórica recordação que faz parte dos registros das viagens feitas nos espaços de outrora. Faz muitos anos, o Barão se despediu dessa vida, para inaugurar etéreos blocos nas festas de um mundo depois deste. Ficamos nós ex-jovens folionas que agora já contamos tantos carnavais.
O cheiro de sanduíche de filé ‘mignon’ no ‘croissant’, os barulhos distantes de pratos e carros, na parada obrigatória, na casa de Chá Yara, após o ‘footing’ automobilístico do domingo, no bairro dos Jardins, na São Paulo sem metrô... Paladar e audição de um saber corporal antigo resgatado da memória que degusta e ouve novamente.
O cheiro da terra molhada num canteiro de plantas leva-me para uma cidade de Minas Gerais, em abril de 1982.
Esse tempo local é então um útero que aninha embriões heterogêneos em suas reentrâncias. É uma meretriz maltratada pelo passar do tempo ou uma nobre decadente, cuja beleza e cujo luxo são mofo e limo.
É contraste, é barroco, é lusco-fusco. Oposição ente a austera arquitetura e o movimento constante da juventude. Contraste entre a beata que desfia o terço na procissão do Cristo morto e o grupo que festeja a vida na desconfortável república estudantil.
Mas os opostos são idênticos no mistério do entardecer, quando as sombras penetram os velhos casarões e os jovens corações.
Nostalgia! Nostalgia!Nostalgia! É o badalar do sino na Ave-Maria. Os velhos se recolhem no passado e os jovens no futuro. Hora em que o gado volta ao curral e as pessoas se recolhem em si, em seus valores, em seus sentimentos, em suas emoções, em suas esperanças.
Pôr do sol! A brisa fresca paira sobre as curvas da cidade fêmea. A bola de fogo se despede, ocultando-se atrás dos morros. O sol se põe piscando um olhar cúmplice para os que amam a noite.
Alguns minutos e não se poderá distinguir quando é ouro e quando é preto, em Ouro Preto. Instantes de estranha magia estes em que a noite copula com o dia. Divino entrelaçar de elementos opostos¸ resfolegante luta entre brilhantes e opacos.
Pessoas emudecem. Ouve-se tão somente a natureza. Contemplação do mistério da existência. Medita-se sobre o enigma da criação. Velhos erguem seus olhos para os campanários das várias igrejas em busca de um longínquo Deus de fora. O jovem busca seu deus interior.
Boca da noite. Momentos de saber-se só. Somente. Ouro Preto é um favo de mel de onde a noite se derrama vagarosamente. É uma aranha viúva que tece sua teia pausadamente.
Noite e dia transam numa boa. Agoniza o dia, gemendo de prazer... Nos seus últimos “ais”... Enfim, plenitude: a noite cavalga o dia.
É o momento incontestável do orgasmo universal. Astros brincando... Estrelas despudoradas mostram-se todinhas!
É noite em Ouro Preto. A juventude prolifera como doença contagiosa nas calçadas mal iluminadas da cidade. A praça da matriz é uma orgia de cores. Difícil saber se os adolescentes vestem o que querem ou o que os outros não querem. A praça é uma eterna festa, é um carnaval permanente.
Há uma aparência de descontração mais ou menos programada no visual dos jovens. Mas a movimentação das pessoas, nas calçadas, mostra a busca do experimentar e a sede do estar presente no aqui e agora. O ir e vir de cada transeunte parece ter a voracidade de ser tão espontânea quanto uma minhoca ao se deixar escorregar pra dentro da terra. É um ir e vir que lembra a busca do ouro encravado no solo das minas gerais, em épocas pretéritas.
Lá do alto, a lua participa do ir e vir da praça da matriz. Conta o velho na calçada, que, quando é noite de lua cheia, em Ouro Preto, não há lobisomem que aguente...
Finda a noite da lua cheia de outrora, raia novo dia; desta feita num tempo atual, vizinho ao mar.
Enxame de pedestres, Largo da alfândega. Odores difíceis de reconhecer dentre as variadas cores de hortaliças, grãos, objetos artesanais. A arquitetura do velho mercado se impõe como algo que persiste pra contar a História da Ilha da Magia.
Aguço os ouvidos e arregalo os olhos, acariciando efêmera folha de papel onde tudo pode renascer com sabor de novidade.

REFERÊNCIA
MEROLA, E. D. A Volta do Contador de Histórias. Blumenau: Novaletra. 2011. Pp. 23-28.


Quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
Carta de Ana Marise para Edna Domenica.

Edna,

Faz tanto tempo que não escrevo que começar está difícil. Mas, vamos lá.
Lembrei-me de nossa conversa sobre a cor dos meus cabelos e parece-me ser esse um assunto interessante. Deixei de pintar os cabelos, pois se tornava muito dispendioso e "chato", a cada 20 dias, marcar presença no salão de beleza.
Comecei por apenas cortá-los, periodicamente, até que os mesmos se tornaram totalmente brancos. Isso levou exatos oito meses. Até aí, tudo bem. Eu estava passando por um processo de mudanças. 
No início, alguns cortes mais modernos, depois alguns mais ousados e lá se foi mais um ano.  
Ah, esqueci de mencionar no início desta carta, sempre fui uma mulher "pra frente" como diziam as minhas amigas da época de juventude. Sendo assim, aqueles cabelos, branco nuvem, começaram a me aborrecer. 
No final de setembro de 2014 fui convidada a participar das festividades do Outubro Rosa e resolvi fazer uma mecha rosa, uma só, bem larga, na frente, para o lado direito. AMEI! E foi um sucesso. 
Em novembro, para homenagear o Novembro Azul, fiz uma azul, nos mesmos moldes, para o lado esquerdo. Confesso que ficou um pouco estranho, mas... Desde então venho inovando nas cores e no feitio.
Para o próximo Outubro Rosa estou aceitando sugestões.

Meu cordial abraço,
                        Ana Marise.



Nenhum comentário:

Postar um comentário